Conheça a fundo os fatos históricos que deram origem a Roraima
O blog Roraima de Fato fez mais uma viagem de fôlego e foi a fundo na História de Roraima. O resultado dessa empreitada foi um extenso material que ora publicamos, neste 05 de Outubro de 2020, para celebrar o aniversário de criação do Estado de Roraima.
É um presente para todos que aqui moram neste pedaço de terra, ainda desconhecida de muitos brasileiros, e que tem a finalidade de servir também como material de pesquisa a todos aqueles interessados no assunto.
Roro-imã, o Grande Monte Roraima
Monte Roraima fica na tríplice fronteira, cuja porção brasileira compreende apenas 5% (Foto: Divulgação)
A origem do nome Roraima tem algumas versões a partir do nome
indígena Roro-imã. Na língua indígena Macuxi significa Monte Verde. Para os
índios Pemon, na Venezuela, que é a mesma etnia Taurepang, no Brasil, significa
Mãe dos Ventos. Mas há quem diga que pode significar ainda Serra do Caju.
Apesar de apenas 5% do monte ficar do lado brasileiro, o certo
é que nome foi escolhido em referência ao lendário Monte Roraima, uma formação
da era pré-combriana a 2.875 metros de altitude, que fica na tríplice fronteira
Brasil, Venezuela e Guiana. Trata-se de um local inóspito, de natureza
surpreendente que inspirou Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, a
escrever o livro “O Mundo Perdido”.
Somente em 1998, com a promulgação da atual Constituição, o Território
Federal de Roraima passou a ser Estado de Roraima. A população atual é de 631
mil habitantes, conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) até 1º de julho de 2020.
Boa Vista, a Capital, é o município mais populoso, com 419,6 mil
habitantes, equivalente a 66,4% do total da população do Estado, seguido por
Rorainópolis, com 30,7 mil; Caracaraí, com 22,2 mil; e Cantá 18,7 mil
habitantes.
Os demais municípios são os seguintes: São Luiz (do Anauá),
com 8,1 mil habitantes, São João da Baliza, com 8,3 mil, Caroebe, com 10,3 mil,
e Uiramutã, o menos populoso e o mais isolado, tem 10,7 mil habitantes.
No Uiramutã fica localizado o Monte Caburaí, com 1.465 metros
de altitude, que é o ponto mais setentrional do território nacional.
A
Bandeira e o seu significado
A bandeira de Roraima foi instituída pela Lei Estadual Nº
133 de 14 de junho de 1996. Para seu desenho, foi aberto um concurso público,
de que saiu vencedor o artista plástico Mário Barreto.
A bandeira de Roraima consiste em três faixas transversais
nas cores azul-turquesa, branco e verde, com uma estrela amarelo-ouro no
centro.
Segundo o autor do desenho, o azul representa o ar puro e o
céu de Roraima; o branco simboliza a paz; o verde, a densidade da floresta
roraimense; e amarelo-ouro representa as riquezas minerais.
A estrela representa o fato de ser Roraima mais um Estado da
Federação Brasileira. Por fim, há uma faixa em vermelho, na parte inferior da
bandeira, que representa a Linha do Equador, que corta o Estado na sua parte
sul.
Povo Macuxi
e as terras indígenas
Povo Macuxi é a maior população indígena e considerada historicamente como a mais guerreira (Foto: Divulgação)
O Estado de Roraima tem 52,4% de seu território ocupado por
Unidades de Conservação e terras indígenas. De um total de 22,4 milhões de hectares,
são10,3 milhões de hectares de seu território reservados exclusivamente para os
povos índios.
Proporcionalmente, é o Estado brasileiro de maior área de
terras destinadas a diversas etnias indígenas, entre elas os Macuxi, Ingarikó, Wapixana, Taurepang, Patamona, Sapará, Wai-Wai
e Yanomami.
O habitante de Roraima recebeu o apelido de “Macuxi” numa
referência à tribo mais numerosa do Estado, cujos guerreiros foram considerados
desde a colonização como os mais valentes entre os índios.
A lenda
do El Dorado bem viva no imaginário
O Estado de Roraima historicamente é relacionado a sua riqueza
mineral de seu subsolo. E isso vem de muito longe, quando era chamado de Eldorado,
que seria um lugar lendário que permeou o imaginário nos séculos 15 e 16, lugar
este que estaria localizado em Roraima.
Não se sabe ao certo se seria um lago ou uma cidade toda de
ouro, mas o fato é que foi procurado por muitas expedições europeias. O curioso
é que a lenda do El Dorado jamais foi acreditada pelos colonizadores
portugueses, e sim por outros povos europeus, principalmente os espanhóis. Hoje,
esses livros escritos por eles, fazem parte da literatura narrativa regional.
Em 1595, Sir Walter Ralegh, a serviço da Coroa Britânica,
esteve por duas vezes nas proximidades do Monte Roraima, entrando pelo Rio
Orinoco. O relato de suas viagens foi publicado com o título de “O caminho do
Eldorado” e claramente remete a Roraima como o lugar mítico procurado.
Mais recentemente, o escritor chileno Roland Stevenson
escreveu o livro “Em busca do El Dorado”, no qual afirma que o lavrado de
Roraima era um grande lago que rodeava o El Dorado e que, por conta da
sedimentação lacustre do solo do lavrado (planície), “o lago desapareceu, uma
vez que a área esteve submersa desde que o gráben do Tacutu se comunicava com o
Atlântico, tendo começado a se extinguir por volta de 700 anos atrás, provocado
por um processo chamado epirogênese positiva, de elevação constante da
superfície”.
Terra de
Makunaima e o ser mitológico indígena
Quadro da artista plástica Carmézia: representação de Makunaima e seus irmãos debaixo da Wazaká
O Estado de Roraima também é conhecido como Terra de Makunaima
(não confundir com Macunaíma, que é o personagem do livro escrito por Mário de
Andrade, em 1928, o qual foi baseado exatamente no mito indígena Makunaima).
O Monte Roraima é considerado sagrado pelos índios Pemón, Taurepang
e Ingarikó, por ser morada do deus Macunaima, um ser mitológico narrado
oralmente de geração a geração.
Diz a lenda que, para saciar a fome, os deuses da floresta,
liderados por Makunaima e seus irmãos, resolveram derrubar a Wazaká – a Árvore
da Vida –, que fazia pender de seus galhos todas as frutas boas que havia na
mata. Do corte feito no tronco começou a jorrar água, que formou os rios e
nascentes e libertou os peixes.
Os ramos e os rios verteram para o norte, onde se concentra
toda a riqueza das frutas e das águas férteis. O tronco derrubado da Wazaká
transformou-se nos intrigantes tepuis, enormes platôs com pouco menos de 3 mil
metros em forma de mesa, o mais importante o Monte Roraima, com 2.734 metros de
altitude.
É assim que os índios da região dos lavrados roraimenses, na
fronteira venezuelana, explicam a diversidade de ecossistemas desse território.
Ali foi criado o Parque Nacional do Monte Roraima, cuja finalidade é preservar
uma amostra da serra Pacaraima, também próxima às terras indígenas dos Ingarikó
Geologicamente, estima-se que a região tenha se erguido há
mais de 2 bilhões de anos, quando sequer os continentes haviam se separado e
adquirido a forma que possuem atualmente.
O primeiro branco a visitar o Monte Roraima foi o inglês
Walter Raleigh, que, no final do século 16, em busca de tesouros, cruzou a
Floresta Amazônica na região da Guiana. Raleigh teria chegado apenas até a base
da montanha, mas ainda assim coletou material suficiente para escrever a obra
que denominaria “Montanha de cristal”, inspirada em lendas locais.
Em 1884, outro inglês, o botânico Everard Thum, subiu ao
topo e deixou relatórios detalhados sobre sua aventura, que inspiraram o
escritor britânico Conan Doyle no romance O mundo perdido, publicado no início
do século 20.
Em 1991, três alpinistas brasileiros, após cinco dias e meio
de caminhada, subiram pela primeira vez a face leste, no lado brasileiro, a
rota mais difícil e perigosa para atingir o cume.
Rio
Branco, a origem do nome e sua importância
Índios chamavam de Queçoene, que diziam ter vindo de um rio de águas brancas (Foto: Divulgação)
O Estado de Roraima tem a maioria de suas terras localizada na
Bacio do Rio Branco. Apenas 16% do território roraimense é banhado pelo Rio
Jauaperi, que é o limite natural com o Estado do Amazonas, cujo trecho mais
conhecido é o que fica dentro da Terra Indígena Waimiri-Atroari, que é cortada
pelo trecho sul da BR-174.
O nome “Rio Branco” foi batizado pelo colonizador português Pedro Teixeira. Em 1639, quando navegava de Belém (PA) para Quito pelo Rio Solimões, próximo do encontro das águas do Solimões e do Negro, deparou-se com um grupo de índios que diziam ter vindo de um rio de águas brancas que existia no Alto Rio Negro. Foi aí que Teixeira chamou de Branco esse rio, que antes os índios denominavam de Queçoene (ou Queçovene).
Teixeira imaginava que por esse rio seria possível uma
conexão entre as terras da colônia holandesa e o Brasil. Apesar disso, até o
início do século 18 a região do Rio Branco foi esquecida pela Coroa Portuguesa.
Cobiça
internacional e o aprisionamento de índios
Uma das excursões pelo Vale do Rio Branco para resgatar índios usados como escravos
Não é possível contar a História sem narrar as atrocidades
cometidas contra as populações indígenas cometidas por colonizadores e
exploradores da época.
Os primeiros colonizadores a penetrar no Rio Branco foram
Francisco Ferreira e frei Jerônimo Coelho com a finalidade de aprisionar índios
e recolher tartarugas e seus ovos para fazer a manteiga que servia como
combustível na iluminação pública da cidade de Belém do Pará, para onde os
índios aprisionados eram levados como escravos.
Nessa época, outros expedicionários subiram o Rio Branco com
propósitos semelhantes, entre eles, Lourenço Belfort e Cristóvão Aires Botelho.
Em 1741, o Governo enviou a primeira tropa de resgate comandada por José Miguel
Aires com o objetivo de fazer respeitar a
autoridade e o domínio do governo no interior, além de resgatar índios.
A região do Rio Branco sempre foi muito cobiçada pelos
europeus. Os mais interessados eram os holandeses, ingleses e espanhóis, que por
diversas vezes tentaram ocupar a região. O caso mais famoso foi do holandês Nicolau
Horstman, que partiu da colônia holandesa no litoral, atingiu o Rio Branco, descendo
até o Rio Negro.
Essa exploração despertou a preocupação portuguesa com a
área, uma vez que confirmava a existência de transações entre os holandeses e
os índios do Rio Branco, através dos rios Tacutu e Jauaperi, no território hoje
pertencente à Guiana.
Invasão
espanhola e o Forte São Joaquim
Ruínas do Fortes São Joaquim: obra foi decisiva para a ocupação do que hoje é chamado de Roraima
O que os portugueses não imaginavam acabou ocorrendo. Os
espanhóis, vindos do Rio Orinoco, na Venezuela, entre 1771 e 1773, invadiram o
território português do Rio Branco, estabelecendo-se no Rio Uraricoera, onde
fundaram três núcleos populacionais: Santa Rosa, São João Batista de Cada Cada
e Santa Bárbara.
A ocupação surpreendeu os portugueses, que julgavam pouco
provável que os espanhóis pudessem transpor a cordilheira existente entre o
Brasil e a Venezuela. Mas eles o fizeram justamente pela cabeceira do Rio
Uraricoera, que delimita a fronteira entre os dois países.
A partir daí, a defesa e a ocupação definitiva do Vale do Rio
Branco passaram a ser uma preocupação real do Governo Português. Em 1752, o
soberano português havia determinado a construção de um forte na confluência
dos rios Uraricoera e Tacutu, mas até fins do século 18 a ordem ainda não havia
sido cumprida.
Confirmada a presença de espanhóis no Vale do Rio Branco, o
Governo Português contratou o capitão alemão Philip Sturn para expulsá-los e,
finalmente, construir o forte, que ficou pronto em 1776 e recebeu o nome de São
Joaquim do Rio Branco.
Por sua posição de caráter estratégico-militar, o forte
desempenhou um papel importante na conquista definitiva da região do Rio Branco,
sendo a primeira repartição pública criada oficialmente no Vale do Rio Branco. Serviu
de base para a evangelização dos nativos e de moradia para um capitão carmelita
e um pároco capuchinho. No ano de 1780, esses religiosos relatam o batismo de
700 pessoas, grande parte delas crianças.
Mas nem o forte nem as fazendas tiveram a devida atenção do
Governo. Nos anos seguintes foi aguçada a cobiça inglesa pela região, apesar da
existência do forte. Essa cobiça pode ter surgido já em 1803, quando da guerra
entre Holanda e Inglaterra.
Até então, a Inglaterra não tinha possessões na América do
Sul, e foi em 1803 que a Coroa Britânica tomou posse de Essequibo, Demerari e
Berbice, na costa norte da América do Sul, na fronteira com o Brasil
Imbróglio internacional e a perda de terras para a Guiana
Em 1835, Robert Schomburgk, um alemão a serviço da Coroa
Inglesa, devidamente autorizado pelo Governo do Brasil, entrou no território
nacional pelo Rio Tacutu com o propósito oficial de estudar este divisor
natural entre o Brasil e a então Guiana Inglesa, hoje República Cooperativista
da Guiana.
Schomburgk enviou relatórios a Londres sugerindo que as
terras por ele visitadas pertenciam à Inglaterra, quando na verdade ele estava
dentro do Vale do Rio Branco, em terras brasileiras. Chegou mesmo a desenhar um
mapa indicando uma nova fronteira para a região.
O Governo Inglês acreditou no seu emissário e deu ordens
para que ele mesmo colocasse marcos ingleses nas terras que ele julgava serem
da Inglaterra. Ainda hoje é possível encontrar marcos ingleses nos rios Maú,
Cotingo e Surumu, todos pertencentes à Bacia
do Rio Branco.
Esse fato foi relatado em 1841 por Frei José dos Santos
Inocentes, que alertou as autoridades brasileiras que os ingleses estavam
assentando marcos divisórios muito além dos limites fronteiriços do Brasil com
a Guiana.
A ousadia de Schomburgk resultou numa questão de limites
entre a Inglaterra e o Brasil que se estendeu até 1904, quando a questão foi
submetida ao rei Vitório Emanuel III, da Itália. O fato ficou conhecido como “Questão
do Pirara”. O Brasil foi defendido nesse episódio por Joaquim Nabuco.
O rei italiano, no entanto, estabeleceu o limite entre os
dois países pelo Rio Tacutu. Com essa sentença, o Brasil perdeu 19.630 km2 de
terras para a Inglaterra.
Aldeamento
e a Revolta da Praia de Sangue
Povoado de Nossa Senhora da Conceição, onde estavam aldeados índios Paraviana e Wapichana
Com base em sua ocupação territorial, a História de Roraima
pode ser dividida em quatro períodos: de 1750 a 1800, de 1800 a 1890, de 1891 a
1943, e a partir de 1943.
De 1750 a 1800, o que ocorreu em relação à colonização foi a
tentativa de aldeamento dos índios, que totalizavam 1.019 pessoas, concentrando-os
em povoações como as de Nossa Senhora do Carmo (que deu origem a Boa Vista,
Capital de Roraima), Nossa Senhora da Conceição, São Felipe, Santa Bárbara e
Santa Isabel.
As regras do colonizador para esses aldeamentos humanos eram
duras e injustas com os indígenas, resultando em uma dura repressão, que não
estavam acostumados a viver desse modo. Por causa da privação de liberdade, os
índios Paraviana e Wapichana se revoltaram.
O acontecimento culminou, em 1790, num episódio que entrou
para a História como a Revolta da Praia do Sangue, quando os índios enfrentaram
os portugueses e foram derrotados, numa carnificina sem precedentes . Os que
fugiram foram feitos prisioneiros, inclusive o Principal Parauijamari, que
depois de capturado foi morto, para servir de exemplo.
O fato histórico ficou conhecido por sua violência e, segundo
relatos, tingiu de vermelho as águas do rio Branco. A notícia dessa revolta
correu entre os vilarejos. Não satisfeito, o governador da província João
Pereira Caldas, sediado em Belém do Pará, resolveu declarar guerra aos índios.
Os capturados recebiam como punição uma marca a ferro
quente. Quando a notícia chegou a Portugal, a Coroa resolveu trocar o
governador e conceder anistia. Em 1794, ao som dos tambores, o perdão foi
anunciado aos insurretos do rio Branco na praça principal de Barcelos, no Amazonas,
e afixado no forte São Joaquim do Rio Branco, em Roraima.
Escambo
com os índios e a Fazenda Boa Vista
Sede da Fazenda Boa Vista ficava onde hoje fica o Restaurante Meu Cantinho, na Orla Taumanan
O período seguinte, de 1800 a 1890, prosseguiu com a
opressão dos nativos pelos colonizadores. Foi marcado pela iniciativa de Manoel
da Gama Lobo d’Almada de introduzir o gado nos campos naturais, o que atraiu
brasileiros de outras regiões do País.
Os nordestinos acossados pela seca de 1877 vieram
aventurar-se nas terras do rio Branco. Esses novos habitantes dedicaram-se
principalmente à pecuária, mas se limitavam a criar o gado solto no campo, nas
terras que julgavam devolutas.
Como não tinham mão-de-obra e suas fazendas não eram autossuficientes,
dependendo dos índios para o trabalho no campo e para a complementação
alimentar. Os fazendeiros rocavam com os índios carne de boi por farinha de
mandioca. Os índios, por sua vez, logo se tornaram vaqueiros, embora até então
desconhecessem o gado bovino.
O gado criado solto no rio Branco era vendido em Manaus (AM)
e transportado por via fluvial durante o inverno. Havia uma espécie de escambo:
os fazendeiros recebiam dos “aviadores” de Manaus as mercadorias de que
necessitavam para sua manutenção anual e pagavam com boi.
O transporte entre Manaus e os portos de embarque próximos
às fazendas era feito por “batelões” acoplados a rebocadores conhecidos como
“motores de linha”. Dessa época para frente, o Forte São Joaquim entrou em
decadência, e dos povoados antigos apenas o de Nossa Senhora do Carmo
sobreviveu.
Neste lugar, o capitão Inácio Lopes de Magalhães,
ex-comandante do forte, criou a Fazenda Boa Vista (cuja sede ficava onde está,
hoje o restaurante Meu Cantinho), que cresceu e se modificou, dando origem à
cidade de Boa Vista. Por essa razão o capitão Inácio Lopes de Magalhães é
considerado o fundador de Boa Vista.
Criação
do Território Federal em 1943
Imagem de Boa Vista três anos antes de ser criado o Território Federal do Rio Branco
O período entre 1891 e 1943 representou o florescimento do Município
de Boa Vista do Rio Branco, criado em 9 de julho de 1890 por ato do governador
do Amazonas Augusto Ximeno de Ville Roy. Com a criação do município, a
governança local passou a ser exercida por um superintendente (prefeito).
O primeiro a ser nomeado para esse cargo foi João Capistrano
da Silva Mota, que, embora fosse sargento da Guarda Nacional, ficou conhecido
como “Coronel Mota”.
Em 1938, o nome original de Boa Vista do Rio Branco foi
simplificado para apenas Boa Vista, por força de lei estadual amazonense, que
estabeleceu uma nova divisão administrativa e judiciária para o Estado e
dividiu o município em três distritos: Boa Vista, Caracaraí e Murupu.
Nesse período, Boa Vista dependia unicamente do gado que
produzia. Em 1943, por uma decisão unilateral do presidente Getúlio Vargas, foi
criado o Território Federal do Rio Branco. Na verdade, Vargas não foi original.
Ele seguiu conselhos de várias
pessoas, entre elas o naturalista norte-americano Louis Agassis que, depois de
percorrer as terras banhadas pelo Rio Amazonas, afirmou que o Governo dessas
províncias “poderia ser organizado como aqueles dos territórios que, nos
Estados Unidos, são embriões dos Estados”.
Segundo ele, isso estimularia as energias locais e
desenvolveria os recursos, sem embaraçar a ação do Governo Central. O
governador era nomeado pelo presidente da República, e este nomeava o prefeito
da única cidade e Capital, Boa Vista.
Em 1955 foi criado o segundo município de Roraima,
Caracaraí, e também para ele o governador nomeava o prefeito.
Primeiro
governador, migração e as colônias
Chegada e posse do primeiro governador do Território Federal,
capitão Ene Garcez dos Reis
Até 1940, a região hoje conhecida como Roraima era um
município do Estado do Amazonas. O Território Federal do Rio Branco foi criado
em setembro de 1943 e passou a chamar-se Território Federal de Roraima em 1962,
após um plebiscito.
O primeiro a governar Roraima foi o capitão de cavalaria Ene
Garcez dos Reis, responsável pela implantação do Território Federal e pela
condução dos primeiros passos do novo ente federativo.
O primeiro lugar de trabalho do governador foi a Prelazia do
Rio Branco, uma espécie de mosteiro de beneditinos que, à época, era o único
prédio digno construído em alvenaria na cidade. Atualmente, é a sede
administrativa da Diocese de Roraima.
Início da urbanização de Boa Vista: imagem mostra construção
da Praça do Centro Cívico e do Palácio do Governo
Com o Território Federal foi lançada a semente de uma
colonização definitiva para Roraima. Imigrantes de diversos estados nordestinos
ocuparam as primeiras colônias agrícolas (Fernando Costa, em Mucajaí, Braz de
Aguiar, no Cantá, e Coronel Mota, no Taiano, em Alto Alegre).
A colônia agrícola de Fernando Costa, hoje Município de
Mucajaí, notabilizou-se por acolher colonos do Maranhão. Na década de 1980,
foram mais de 42 colônias agrícolas implantadas com largo incentivo para a
vinda de colonos de outros estados. Das três colônias iniciais, Mucajaí e Cantá
tornaram-se município.
Roraima, ao longo de sua história, foi palco de migrações
nordestinas da Paraíba, Ceará, Pernambuco, do Rio Grande do Norte, Piauí, Pará
e do Amazonas. Nos anos mais recentes, principalmente depois do Projeto Rondon
(década de 1970), vieram gaúchos e paranaenses.
Mudança
de nome para Roraima
Em 1962, a denominação de Território do Rio Branco foi
modificada para Território Federal de Roraima atendendo ao clamor popular,
alegando enfrentar dificuldades com a confusão causada pela denominação da
capital do Acre (Rio Branco).
As correspondências, e mesmo o destino de pessoas, eram
trocados do Acre para Boa Vista e vice-versa. O autor da lei foi o deputado
roraimense e ex-governador do Acre Valério Caldas de Magalhães.
Até 1964, os governadores nomeados tiveram uma permanência
muito curta em Roraima. As ingerências políticas e as condições locais adversas
faziam com que a média de permanência dos governadores fosse de apenas 16
meses.
De 1964 a 1981, o governo militar brasileiro entregou governança
local aos militares da Aeronáutica e, com isso, os nomeados tiveram que
“cumprir sua missão” em tempo maior: 32 meses. Isso teve repercussão no
processo administrativo e na realização das obras de infraestrutura do Estado.
Apesar da administração tumultuada dos Territórios Federais,
a História reconhece que os equipamentos e projetos coletivos que se
constituíram instrumentos de fixação dos fluxos migratórios dirigidos àqueles
entes federativos foram produzidos em maior escala nos Territórios do que em
qualquer outro lugar das regiões Norte e Centro-Oeste
Os
primeiros governadores eleitos
Brigadeiro Ottomar de Sousa Pinto foi o primeiro governador
eleito pelo voto direto (Foto: Divulgação)
Por força de dispositivo da Constituição de 1988, a
população passou a eleger seus governadores. O primeiro escolhido pelo voto
direto, em 1990, foi o brigadeiro Ottomar de Sousa Pinto, ex-governador durante o período
como Território Federal, já falecido.
Depois foram eleitos Neudo Ribeiro Campos (o primeiro roraimense
eleito), Flamarion Portela (cearense, substituído no meio do mandato pelo
segundo colocado nas eleições, o brigadeiro Ottomar de Sousa Pinto, que, após
ser reeleito, acabou por falecer dois anos depois e foi substituído por seu
vice, José de Anchieta Junior, também nascido no Ceará e também já falecido).
O gado e
o diamante da Serra do Tepequém
Exploração de diamante na Serra do Tepequém foi iniciada no meio da década de 1930
Em 1789, o coronel Manoel da Gama Lobo d’Almada, governador
da capitania do Rio Negro, visitando a região, encantou-se com a beleza dos
campos naturais do Rio Branco e introduziu o gado bovino nesses campos, levando
para a região, de canoa a remo, as primeiras reses de Tefé, no Amazonas.
Em 1793, o Governo Português criou, no Rio Branco, as
chamadas Fazendas do Rei: São Marcos (ainda existente na terra indígena do
mesmo nome), São José e São Bento. Elas foram definitivas para a fixação do
gado bovino.
Com relação ao garimpo, fontes históricas indicam que a
exploração mineral em Roraima surgiu ocasionalmente na primeira metade do
século 20. Ao campear o gado espalhado na imensidão dos campos, os vaqueiros
encontraram as primeiras pedras de diamante nos igarapés que descem dos
contrafortes das montanhas roraimenses.
O primeiro garimpo a ser conhecido foi o da Serra do
Tepequém, entre 1934 e 1936, e que de modo rudimentar e artesanal ainda é
permitido nos dias atuais, conforme a Portaria no 143, de 31 de janeiro de 1984,
assinado pelo então presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo. Atualmente,
Tepequém é o principal ponto turístico de Roraima, o único consolidado.
Serra do Tepequém hoje é o principal ponto turístico do Estado de Roraima (Foto: Jessé Souza)
Naquela época, o comerciante de diamantes em Roraima era uma
figura importante e decisiva para a circulação de dinheiro vivo. Esse personagem
era conhecido como diamantário, que normalmente viaja pelos garimpos de avião
comprando diamante e pagando em dinheiro vivo. Depois revendia no exterior com
lucros extraordinários.
O garimpeiro era apenas o ponto inicial da cadeia produtiva,
recebendo muito pouco pelo que produzia. O diamante é comercializado em
quilates: 1 quilate é igual a 200 miligramas, portanto, são necessários 5 quilates
para se obter 1 grama de peso. Com a proibição dos garimpos em Roraima a
atividade caiu muito. Na cidade Boa Vista não se encontram mais diamantários.
A nova corrida
do El Dorado
A segunda fase do garimpo em terras roraimenses começou com
a descoberta de ouro na região de Surucucus, na Terra Indígena Yanomami, na
década de 1980, quando começou uma intensa corrida garimpeira para Roraima, fato
que ficou conhecido como a corrida do El Dorado. Naquela época, o Aeroporto Internacional
de Boa Vista tornou-se o mais movimentado do País em função do atendimento aos
garimpos de ouro da região.
Essa febre garimpeira esfriou com a criação, pelo presidente
Collor de Mello, do Parque Nacional Yanomami, que culminou com a criação da
terra indígena com uma área de 9.667.875 ha que abrange os municípios de Alto
Alegre, Mucajaí e Caracaraí, e também Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel
da Cachoeira, no Amazonas.
Paraíso
dos naturalistas e viajantes
Em 1777, Francisco Xavier Ribeiro Sampaio, ouvidor da
capitania do Rio Negro, percorreu o Rio Branco com a missão de levar ao Governo
informações geopolíticas referentes à invasão espanhola na região do Alto Uraricoera,
que resultou na consolidação do Forte São Joaquim do Rio Branco, construído
dois anos antes. Ribeiro Sampaio aproveitou sua viagem para descrever a fauna,
a flora e os costumes indígenas da região.
No século 19, aumentou muito o número de naturalistas que
visitaram o Vale do rio Branco, principalmente estrangeiros, atraídos pela
exuberante fauna e flora da região, bem como pelos costumes indígenas, tão
exóticos para o olhar europeu. Infelizmente,
a maior parte do vasto material produzido por esses naturalistas infelizmente
não se encontra no Brasil, mas em museus e universidades do exterior.
O Monte Roraima foi escalado pela primeira vez em 1884 por
dois ingleses, Everard Im Turn e Harry Perkins, que estudaram a geologia e a
botânica da região. E até um conde italiano, Ermano Stradelli, foi mandado ao Rio
Branco para descrever a região, por ocasião da sentença da questão dos limites
das terras portuguesas e inglesas, que deveria ser resolvida pelo monarca
italiano.
Dentre os estudiosos que se aventuraram por Roraima, o mais
famoso foi o alemão Theodor Koch-Grunberg, que em meados do século 20 mais se
destacou no estudo antropológico, concentrando-se na tríplice fronteira de
Brasil, Venezuela e Guiana.
Ele escreveu o precioso livro “Von Roraima zum Orinoco (De Roraima
ao Orinoco)”, em cinco volumes, que está na Biblioteca Central de Berlim. Esse
livro descreve aspectos culturais dos povos indígenas em detalhes, com desenhos
que impressionam pela delicadeza e precisão. Produziu também uma boa
documentação fotográfica e um ensaio cinematográfico da região do Surumu.
Koch-Grunberg morreu de malária em Caracaraí. Ainda hoje
caravanas de alemães vão àquela cidade conhecer o túmulo do cientista.
Outros naturalistas que passaram por Roraima no século
passado foram: o americano Hasmann, que se dedicou à geografia e à ictiofauna
da região da serra da Lua; o brasileiro Kuhlmann, que veio atrás de borracha e
concentrou-se nas proximidades da cachoeira do BemQuerer; o ornitólogo
norte-americano Anderson; Willian Curtis Farabee, que fez diversas explorações
na região da ilha de Maracá; o botânico Adolpho Ducke, que percorreu a serra
Grande e o Murupu, Caracaraí e Cauamé; o geólogo brasileiro Glaycon de Paiva;
O brilhante cientista brasileiro Carlos Chagas esteve em
Roraima para avaliar as condições sanitárias.
Rice fez a primeira foto aérea de Boa Vista
Primeira foto aérea de Boa Vista feita por Hamilton Rice durante
expedição em 1924
Também merece destaque a visita de Hamilton Rice, entre 1924
e 1925. Rice era membro da American Geographical Society, e, junto à
Universidade de Harvard, organizou a primeira expedição ao Rio Branco feita num
avião, do qual foi tirada a primeira fotografia aérea de Boa Vista.
O relato do explorador foi publicado com o título de “Exploração
na Guiana Brasileira”. Junto com Rice veio o brasileiro Silvino Santos, que fez
um filme de 20 minutos com o título de “Em busca do Eldorado”, editado pela BBC
inglesa.
Barão de
Parima e Marechal Rondon
O único brasileiro que recebeu título da nobreza portuguesa
com topônimo da região do Rio Branco foi o coronel Francisco Xavier Lopes de
Araújo, que ficou conhecido como Barão de Parima. Ele dá nome a uma das mais
tradicionais escolas de Boa Vista, localizada no bairro Calungá. O coronel esteve
em Roraima com a Comissão Demarcadora de Limites com a Venezuela.
Também o Marechal Rondon esteve em Roraima a serviço dessa
comissão. Ele percorreu diversas malocas indígenas e subiu o Monte Roraima,
onde colocou um marco na tríplice fronteira entre o Brasil, a Venezuela e a
Guiana. Com Rondon veio o alemão Phillip Freiherr Von Luetzelburg, que
aproveitou a expedição para coletar exemplares da fauna regional.
Expedições
religiosas
Além das expedições científicas, houve em Roraima várias
expedições religiosas, como por exemplo as realizadas pelos padres Ildefonso
Deigendesch e Alcuino Meyer, alemães que, nas décadas de 1930 e 1940,
percorreram a pé a bacia do alto rio Branco até o Monte Roraima, visitando cada
maloca que encontravam.
Seus relatos não apenas de ordem religiosa, colaboram com a
ciência ao descreverem, por exemplo, a ocorrência de minérios radioativos e
bauxita na região do Quinô e até lençóis de petróleo nos rios Mucajaí e
Catrimani.
BR-174, o
cordão umbilical de Roraima
Governo militar começou a construção da BR-174, entre Manaus e Boa Vista, na década de 1970 (Foto: Divulgação)
Desde a administração da Coroa portuguesa, Roraima sempre
foi uma região isolada do resto do País, a ponto de a população local ser
obrigada a dar as costas para o Brasil e se relacionar comercialmente com os
países vizinhos, Venezuela ao Norte e Guiana a Leste.
A construção de uma rodovia ligando Roraima às demais
regiões do Brasil, para quebrar o isolamento, só aconteceu em 1977. A BR-174
liga Manaus a Boa Vista em 758 km, no trecho sul; e Boa Vista à fronteira com a
Venezuela, no trecho norte que totaliza 231 km, alcançando a cidade de
Pacaraima, no Brasil, e Santa Elena do Uairem, na Venezuela.
A BR-174 é a única via de comunicação terrestre de Roraima
com o Brasil. A rodovia Perimetral Norte (BR-210, que interliga os municípios
no Sul do Estado) parou no trecho roraimense. Seu propósito seria unir a calha
norte do grande Rio Amazonas, ficando apenas na intenção dos militares.
De Boa Vista em direção à fronteira com a Guiana foi
construída a BR-401. São 124 km até Bonfim, na fronteira; daí a Georgetown, capital
da Guiana, são mais 522 km. Uma ponte rodoviária sobre o rio Tacutu, inaugurada
em 2009, facilitou o tráfego de veículos entre os dois países.
Fazendeiro Sebastião Diniz abriu o primeiro picadão que serviu de embrião para a rodovia
Mas a construção da BR-174 foi um projeto antigo, de 1893,
quando o fazendeiro do Rio Branco e morador de Manaus (AM), Sebastião Diniz,
foi incumbido pelo Governo do Amazonas de fazer uma estrada que ligasse Manaus
a Boa Vista.
Essa ligação terrestre serviria para abastecer de carne bovina
a capital manauara. Diniz concluiu a tarefa em 1895, quando ele enviou uma
carta ao governador fazendo sérias críticas devido ao alto custo da obra, que
na verdade era apenas uma trilha no meio da floresta sem nenhuma estrutura para
abrigar o gado ao longo do percurso.
Não foi à toa que a estrada foi completamente esquecida nos
anos seguintes e os 816 marcos (um por quilômetro) desapareceram com o tempo. A
partir de 1970 o governo militar iniciou a abertura da BR-174, que liga Roraima
ao estado do Amazonas.
- Homem, Ambiente e Ecologia do Estado de Roraima – Barbosa R.I.,
Ferreira E.J. & Castellón E. G. (eds) INPA 1997;
- Historiografia das expedições científicas e exploratórias
no Vale do Rio Branco – Barboza, Reinaldo Imbrozio e Ferreira, Efrem Jorge Gondim;
- Site medium.com, artigo A revolta da praia de sangue e
direito natural de liberdade indígena - Lima, Isabella;
- Guia Turístico do Governo de Roraima 2009
Comentários
Postar um comentário