Conheça a fundo os fatos históricos que deram origem a Roraima

Solenidade de recepção e posse do primeiro governador, Ene Garcez, em frente à Igreja Matriz



O blog Roraima de Fato fez mais uma viagem de fôlego e foi a fundo na História de Roraima. O resultado dessa empreitada foi um extenso material que ora publicamos, neste 05 de Outubro de 2020, para celebrar o aniversário de criação do Estado de Roraima.

É um presente para todos que aqui moram neste pedaço de terra, ainda desconhecida de muitos brasileiros, e que tem a finalidade de servir também como material de pesquisa a todos aqueles interessados no assunto.

 


Roro-imã, o Grande Monte Roraima

 

Monte Roraima fica na tríplice fronteira, cuja porção brasileira compreende apenas 5% (Foto: Divulgação)

A origem do nome Roraima tem algumas versões a partir do nome indígena Roro-imã. Na língua indígena Macuxi significa Monte Verde. Para os índios Pemon, na Venezuela, que é a mesma etnia Taurepang, no Brasil, significa Mãe dos Ventos. Mas há quem diga que pode significar ainda Serra do Caju.

Apesar de apenas 5% do monte ficar do lado brasileiro, o certo é que nome foi escolhido em referência ao lendário Monte Roraima, uma formação da era pré-combriana a 2.875 metros de altitude, que fica na tríplice fronteira Brasil, Venezuela e Guiana. Trata-se de um local inóspito, de natureza surpreendente que inspirou Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, a escrever o livro “O Mundo Perdido”.

Somente em 1998, com a promulgação da atual Constituição, o Território Federal de Roraima passou a ser Estado de Roraima. A população atual é de 631 mil habitantes, conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) até 1º de julho de 2020.

Boa Vista, a Capital, é  o município mais populoso, com 419,6 mil habitantes, equivalente a 66,4% do total da população do Estado, seguido por Rorainópolis, com 30,7 mil; Caracaraí, com 22,2 mil; e Cantá 18,7 mil habitantes.

Os demais municípios são os seguintes: São Luiz (do Anauá), com 8,1 mil habitantes, São João da Baliza, com 8,3 mil, Caroebe, com 10,3 mil, e Uiramutã, o menos populoso e o mais isolado, tem 10,7 mil habitantes.

No Uiramutã fica localizado o Monte Caburaí, com 1.465 metros de altitude, que é o ponto mais setentrional do território nacional.

 

A Bandeira e o seu significado

 


A bandeira de Roraima foi instituída pela Lei Estadual Nº 133 de 14 de junho de 1996. Para seu desenho, foi aberto um concurso público, de que saiu vencedor o artista plástico Mário Barreto.

A bandeira de Roraima consiste em três faixas transversais nas cores azul-turquesa, branco e verde, com uma estrela amarelo-ouro no centro.

Segundo o autor do desenho, o azul representa o ar puro e o céu de Roraima; o branco simboliza a paz; o verde, a densidade da floresta roraimense; e amarelo-ouro representa as riquezas minerais.

A estrela representa o fato de ser Roraima mais um Estado da Federação Brasileira. Por fim, há uma faixa em vermelho, na parte inferior da bandeira, que representa a Linha do Equador, que corta o Estado na sua parte sul.

 

Povo Macuxi e as terras indígenas

 

Povo Macuxi é a maior população indígena e considerada historicamente como a mais guerreira (Foto: Divulgação)


O Estado de Roraima tem 52,4% de seu território ocupado por Unidades de Conservação e terras indígenas. De um total de 22,4 milhões de hectares, são10,3 milhões de hectares de seu território reservados exclusivamente para os povos índios.

Proporcionalmente, é o Estado brasileiro de maior área de terras destinadas a diversas etnias indígenas, entre elas os Macuxi, Ingarikó,  Wapixana, Taurepang, Patamona, Sapará, Wai-Wai e Yanomami.

O habitante de Roraima recebeu o apelido de “Macuxi” numa referência à tribo mais numerosa do Estado, cujos guerreiros foram considerados desde a colonização como os mais valentes entre os índios.

 

A lenda do El Dorado bem viva no imaginário

 

Cartografia entre os séculos XV e XVII traziam mapas do grande Lago Parimé, que seria o El Dorado (Foto: Divulgação)

 

 

O Estado de Roraima historicamente é relacionado a sua riqueza mineral de seu subsolo. E isso vem de muito longe, quando era chamado de Eldorado, que seria um lugar lendário que permeou o imaginário nos séculos 15 e 16, lugar este que estaria localizado em Roraima.

Não se sabe ao certo se seria um lago ou uma cidade toda de ouro, mas o fato é que foi procurado por muitas expedições europeias. O curioso é que a lenda do El Dorado jamais foi acreditada pelos colonizadores portugueses, e sim por outros povos europeus, principalmente os espanhóis. Hoje, esses livros escritos por eles, fazem parte da literatura narrativa regional.

Em 1595, Sir Walter Ralegh, a serviço da Coroa Britânica, esteve por duas vezes nas proximidades do Monte Roraima, entrando pelo Rio Orinoco. O relato de suas viagens foi publicado com o título de “O caminho do Eldorado” e claramente remete a Roraima como o lugar mítico procurado.

Mais recentemente, o escritor chileno Roland Stevenson escreveu o livro “Em busca do El Dorado”, no qual afirma que o lavrado de Roraima era um grande lago que rodeava o El Dorado e que, por conta da sedimentação lacustre do solo do lavrado (planície), “o lago desapareceu, uma vez que a área esteve submersa desde que o gráben do Tacutu se comunicava com o Atlântico, tendo começado a se extinguir por volta de 700 anos atrás, provocado por um processo chamado epirogênese positiva, de elevação constante da superfície”.

 

Terra de Makunaima e o ser mitológico indígena

 

  Quadro da artista plástica Carmézia: representação de Makunaima e seus irmãos debaixo da Wazaká

 

O Estado de Roraima também é conhecido como Terra de Makunaima (não confundir com Macunaíma, que é o personagem do livro escrito por Mário de Andrade, em 1928, o qual foi baseado exatamente no mito indígena Makunaima).

O Monte Roraima é considerado sagrado pelos índios Pemón, Taurepang e Ingarikó, por ser morada do deus Macunaima, um ser mitológico narrado oralmente de geração a geração.

Diz a lenda que, para saciar a fome, os deuses da floresta, liderados por Makunaima e seus irmãos, resolveram derrubar a Wazaká – a Árvore da Vida –, que fazia pender de seus galhos todas as frutas boas que havia na mata. Do corte feito no tronco começou a jorrar água, que formou os rios e nascentes e libertou os peixes.

Os ramos e os rios verteram para o norte, onde se concentra toda a riqueza das frutas e das águas férteis. O tronco derrubado da Wazaká transformou-se nos intrigantes tepuis, enormes platôs com pouco menos de 3 mil metros em forma de mesa, o mais importante o Monte Roraima, com 2.734 metros de altitude.

É assim que os índios da região dos lavrados roraimenses, na fronteira venezuelana, explicam a diversidade de ecossistemas desse território. Ali foi criado o Parque Nacional do Monte Roraima, cuja finalidade é preservar uma amostra da serra Pacaraima, também próxima às terras indígenas dos Ingarikó

Geologicamente, estima-se que a região tenha se erguido há mais de 2 bilhões de anos, quando sequer os continentes haviam se separado e adquirido a forma que possuem atualmente.

O primeiro branco a visitar o Monte Roraima foi o inglês Walter Raleigh, que, no final do século 16, em busca de tesouros, cruzou a Floresta Amazônica na região da Guiana. Raleigh teria chegado apenas até a base da montanha, mas ainda assim coletou material suficiente para escrever a obra que denominaria “Montanha de cristal”, inspirada em lendas locais.

Em 1884, outro inglês, o botânico Everard Thum, subiu ao topo e deixou relatórios detalhados sobre sua aventura, que inspiraram o escritor britânico Conan Doyle no romance O mundo perdido, publicado no início do século 20.

Em 1991, três alpinistas brasileiros, após cinco dias e meio de caminhada, subiram pela primeira vez a face leste, no lado brasileiro, a rota mais difícil e perigosa para atingir o cume.

 

Rio Branco, a origem do nome e sua importância


 Índios chamavam de Queçoene, que diziam ter vindo de um rio de águas brancas (Foto: Divulgação)

 

O Estado de Roraima tem a maioria de suas terras localizada na Bacio do Rio Branco. Apenas 16% do território roraimense é banhado pelo Rio Jauaperi, que é o limite natural com o Estado do Amazonas, cujo trecho mais conhecido é o que fica dentro da Terra Indígena Waimiri-Atroari, que é cortada pelo trecho sul da BR-174.

O nome “Rio Branco” foi batizado pelo colonizador português Pedro Teixeira. Em 1639, quando navegava de Belém (PA) para Quito pelo Rio Solimões, próximo do encontro das águas do Solimões e do Negro, deparou-se com um grupo de índios que diziam ter vindo de um rio de águas brancas que existia no Alto Rio Negro. Foi aí que Teixeira chamou de Branco esse rio, que antes os índios denominavam de Queçoene (ou Queçovene).

Teixeira imaginava que por esse rio seria possível uma conexão entre as terras da colônia holandesa e o Brasil. Apesar disso, até o início do século 18 a região do Rio Branco foi esquecida pela Coroa Portuguesa.

 

Cobiça internacional e o aprisionamento de índios



 

   Uma das excursões pelo Vale do Rio Branco para resgatar  índios usados como escravos

 

 

Não é possível contar a História sem narrar as atrocidades cometidas contra as populações indígenas cometidas por colonizadores e exploradores da época.

Os primeiros colonizadores a penetrar no Rio Branco foram Francisco Ferreira e frei Jerônimo Coelho com a finalidade de aprisionar índios e recolher tartarugas e seus ovos para fazer a manteiga que servia como combustível na iluminação pública da cidade de Belém do Pará, para onde os índios aprisionados eram levados como escravos.

Nessa época, outros expedicionários subiram o Rio Branco com propósitos semelhantes, entre eles, Lourenço Belfort e Cristóvão Aires Botelho. Em 1741, o Governo enviou a primeira tropa de resgate comandada por José Miguel Aires com  o objetivo de fazer respeitar a autoridade e o domínio do governo no interior, além de resgatar índios.

A região do Rio Branco sempre foi muito cobiçada pelos europeus. Os mais interessados eram os holandeses, ingleses e espanhóis, que por diversas vezes tentaram ocupar a região. O caso mais famoso foi do holandês Nicolau Horstman, que partiu da colônia holandesa no litoral, atingiu o Rio Branco, descendo até o Rio Negro.

Essa exploração despertou a preocupação portuguesa com a área, uma vez que confirmava a existência de transações entre os holandeses e os índios do Rio Branco, através dos rios Tacutu e Jauaperi, no território hoje pertencente à Guiana.

 

Invasão espanhola e o Forte São Joaquim

 

Ruínas do Fortes São Joaquim: obra foi decisiva para a ocupação do que hoje é chamado de Roraima

 

O que os portugueses não imaginavam acabou ocorrendo. Os espanhóis, vindos do Rio Orinoco, na Venezuela, entre 1771 e 1773, invadiram o território português do Rio Branco, estabelecendo-se no Rio Uraricoera, onde fundaram três núcleos populacionais: Santa Rosa, São João Batista de Cada Cada e Santa Bárbara.

A ocupação surpreendeu os portugueses, que julgavam pouco provável que os espanhóis pudessem transpor a cordilheira existente entre o Brasil e a Venezuela. Mas eles o fizeram justamente pela cabeceira do Rio Uraricoera, que delimita a fronteira entre os dois países.

A partir daí, a defesa e a ocupação definitiva do Vale do Rio Branco passaram a ser uma preocupação real do Governo Português. Em 1752, o soberano português havia determinado a construção de um forte na confluência dos rios Uraricoera e Tacutu, mas até fins do século 18 a ordem ainda não havia sido cumprida.

Confirmada a presença de espanhóis no Vale do Rio Branco, o Governo Português contratou o capitão alemão Philip Sturn para expulsá-los e, finalmente, construir o forte, que ficou pronto em 1776 e recebeu o nome de São Joaquim do Rio Branco.

Por sua posição de caráter estratégico-militar, o forte desempenhou um papel importante na conquista definitiva da região do Rio Branco, sendo a primeira repartição pública criada oficialmente no Vale do Rio Branco. Serviu de base para a evangelização dos nativos e de moradia para um capitão carmelita e um pároco capuchinho. No ano de 1780, esses religiosos relatam o batismo de 700 pessoas, grande parte delas crianças.

Mas nem o forte nem as fazendas tiveram a devida atenção do Governo. Nos anos seguintes foi aguçada a cobiça inglesa pela região, apesar da existência do forte. Essa cobiça pode ter surgido já em 1803, quando da guerra entre Holanda e Inglaterra.

Até então, a Inglaterra não tinha possessões na América do Sul, e foi em 1803 que a Coroa Britânica tomou posse de Essequibo, Demerari e Berbice, na costa norte da América do Sul, na fronteira com o Brasil

 

 

Imbróglio internacional e a perda de terras para a Guiana

 

 

Faixa listrada no mapa representa as terras perdidas para a Grã-Bretanha em tribunal internacional


Em 1835, Robert Schomburgk, um alemão a serviço da Coroa Inglesa, devidamente autorizado pelo Governo do Brasil, entrou no território nacional pelo Rio Tacutu com o propósito oficial de estudar este divisor natural entre o Brasil e a então Guiana Inglesa, hoje República Cooperativista da Guiana.

Schomburgk enviou relatórios a Londres sugerindo que as terras por ele visitadas pertenciam à Inglaterra, quando na verdade ele estava dentro do Vale do Rio Branco, em terras brasileiras. Chegou mesmo a desenhar um mapa indicando uma nova fronteira para a região.

O Governo Inglês acreditou no seu emissário e deu ordens para que ele mesmo colocasse marcos ingleses nas terras que ele julgava serem da Inglaterra. Ainda hoje é possível encontrar marcos ingleses nos rios Maú, Cotingo e Surumu, todos pertencentes à  Bacia do Rio Branco.

Esse fato foi relatado em 1841 por Frei José dos Santos Inocentes, que alertou as autoridades brasileiras que os ingleses estavam assentando marcos divisórios muito além dos limites fronteiriços do Brasil com a Guiana.

A ousadia de Schomburgk resultou numa questão de limites entre a Inglaterra e o Brasil que se estendeu até 1904, quando a questão foi submetida ao rei Vitório Emanuel III, da Itália. O fato ficou conhecido como “Questão do Pirara”. O Brasil foi defendido nesse episódio por Joaquim Nabuco.

O rei italiano, no entanto, estabeleceu o limite entre os dois países pelo Rio Tacutu. Com essa sentença, o Brasil perdeu 19.630 km2 de terras para a Inglaterra.

 

 

 

Aldeamento e a Revolta da Praia de Sangue

 


Povoado de Nossa Senhora da Conceição, onde estavam aldeados índios Paraviana e Wapichana

 

Com base em sua ocupação territorial, a História de Roraima pode ser dividida em quatro períodos: de 1750 a 1800, de 1800 a 1890, de 1891 a 1943, e a partir de 1943.

De 1750 a 1800, o que ocorreu em relação à colonização foi a tentativa de aldeamento dos índios, que totalizavam 1.019 pessoas, concentrando-os em povoações como as de Nossa Senhora do Carmo (que deu origem a Boa Vista, Capital de Roraima), Nossa Senhora da Conceição, São Felipe, Santa Bárbara e Santa Isabel.

As regras do colonizador para esses aldeamentos humanos eram duras e injustas com os indígenas, resultando em uma dura repressão, que não estavam acostumados a viver desse modo. Por causa da privação de liberdade, os índios Paraviana e Wapichana se revoltaram.

O acontecimento culminou, em 1790, num episódio que entrou para a História como a Revolta da Praia do Sangue, quando os índios enfrentaram os portugueses e foram derrotados, numa carnificina sem precedentes . Os que fugiram foram feitos prisioneiros, inclusive o Principal Parauijamari, que depois de capturado foi morto, para servir de exemplo.

O fato histórico ficou conhecido por sua violência e, segundo relatos, tingiu de vermelho as águas do rio Branco. A notícia dessa revolta correu entre os vilarejos. Não satisfeito, o governador da província João Pereira Caldas, sediado em Belém do Pará, resolveu declarar guerra aos índios.

Os capturados recebiam como punição uma marca a ferro quente. Quando a notícia chegou a Portugal, a Coroa resolveu trocar o governador e conceder anistia. Em 1794, ao som dos tambores, o perdão foi anunciado aos insurretos do rio Branco na praça principal de Barcelos, no Amazonas, e afixado no forte São Joaquim do Rio Branco, em Roraima.

 

 

Escambo com os índios e a Fazenda Boa Vista

 


Sede da Fazenda Boa Vista ficava onde hoje fica o Restaurante Meu Cantinho, na Orla Taumanan

 

O período seguinte, de 1800 a 1890, prosseguiu com a opressão dos nativos pelos colonizadores. Foi marcado pela iniciativa de Manoel da Gama Lobo d’Almada de introduzir o gado nos campos naturais, o que atraiu brasileiros de outras regiões do País.

Os nordestinos acossados pela seca de 1877 vieram aventurar-se nas terras do rio Branco. Esses novos habitantes dedicaram-se principalmente à pecuária, mas se limitavam a criar o gado solto no campo, nas terras que julgavam devolutas.

Como não tinham mão-de-obra e suas fazendas não eram autossuficientes, dependendo dos índios para o trabalho no campo e para a complementação alimentar. Os fazendeiros rocavam com os índios carne de boi por farinha de mandioca. Os índios, por sua vez, logo se tornaram vaqueiros, embora até então desconhecessem o gado bovino.

O gado criado solto no rio Branco era vendido em Manaus (AM) e transportado por via fluvial durante o inverno. Havia uma espécie de escambo: os fazendeiros recebiam dos “aviadores” de Manaus as mercadorias de que necessitavam para sua manutenção anual e pagavam com boi.

Batelões eram a única forma de transporte entre Amazonas e Roraima pelas águas do Rio Branco


O transporte entre Manaus e os portos de embarque próximos às fazendas era feito por “batelões” acoplados a rebocadores conhecidos como “motores de linha”. Dessa época para frente, o Forte São Joaquim entrou em decadência, e dos povoados antigos apenas o de Nossa Senhora do Carmo sobreviveu.

Neste lugar, o capitão Inácio Lopes de Magalhães, ex-comandante do forte, criou a Fazenda Boa Vista (cuja sede ficava onde está, hoje o restaurante Meu Cantinho), que cresceu e se modificou, dando origem à cidade de Boa Vista. Por essa razão o capitão Inácio Lopes de Magalhães é considerado o fundador de Boa Vista.

 

Criação do Território Federal em 1943

 


Imagem de Boa Vista três anos antes de ser criado o Território Federal do Rio Branco

 

O período entre 1891 e 1943 representou o florescimento do Município de Boa Vista do Rio Branco, criado em 9 de julho de 1890 por ato do governador do Amazonas Augusto Ximeno de Ville Roy. Com a criação do município, a governança local passou a ser exercida por um superintendente (prefeito).

O primeiro a ser nomeado para esse cargo foi João Capistrano da Silva Mota, que, embora fosse sargento da Guarda Nacional, ficou conhecido como “Coronel Mota”.

Em 1938, o nome original de Boa Vista do Rio Branco foi simplificado para apenas Boa Vista, por força de lei estadual amazonense, que estabeleceu uma nova divisão administrativa e judiciária para o Estado e dividiu o município em três distritos: Boa Vista, Caracaraí e Murupu.

Na década de 1940, a economia local dependia dos portos fluvias para chegada de mercadorias


Nesse período, Boa Vista dependia unicamente do gado que produzia. Em 1943, por uma decisão unilateral do presidente Getúlio Vargas, foi criado o Território Federal do Rio Branco. Na verdade, Vargas não foi original.

Ele seguiu conselhos de várias pessoas, entre elas o naturalista norte-americano Louis Agassis que, depois de percorrer as terras banhadas pelo Rio Amazonas, afirmou que o Governo dessas províncias “poderia ser organizado como aqueles dos territórios que, nos Estados Unidos, são embriões dos Estados”.

Segundo ele, isso estimularia as energias locais e desenvolveria os recursos, sem embaraçar a ação do Governo Central. O governador era nomeado pelo presidente da República, e este nomeava o prefeito da única cidade e Capital, Boa Vista.

Em 1955 foi criado o segundo município de Roraima, Caracaraí, e também para ele o governador nomeava o prefeito.

 

 

Primeiro governador, migração e as colônias

 

Chegada e posse do primeiro governador do Território Federal, capitão Ene Garcez dos Reis 

 

Até 1940, a região hoje conhecida como Roraima era um município do Estado do Amazonas. O Território Federal do Rio Branco foi criado em setembro de 1943 e passou a chamar-se Território Federal de Roraima em 1962, após um plebiscito.

O primeiro a governar Roraima foi o capitão de cavalaria Ene Garcez dos Reis, responsável pela implantação do Território Federal e pela condução dos primeiros passos do novo ente federativo.

O primeiro lugar de trabalho do governador foi a Prelazia do Rio Branco, uma espécie de mosteiro de beneditinos que, à época, era o único prédio digno construído em alvenaria na cidade. Atualmente, é a sede administrativa da Diocese de Roraima.

 

 

Início da urbanização de Boa Vista: imagem mostra construção da Praça do Centro Cívico e do Palácio do Governo

 

 Um dos trabalhos mais significativos de Ene Garcez foi a contratação do engenheiro Darci Deregusson para o planejamento urbano da cidade de Boa Vista. Naquela época, a cidade tinha apenas cinco ruas, sendo duas paralelas ao rio Branco (Avenida Floriano Peixoto e Rua Bento Brasil) e três transversais (Avenida Jaime Brasil e as ruas Inácio Magalhães e José Magalhães). O restante era apenas lavrado.

Com o Território Federal foi lançada a semente de uma colonização definitiva para Roraima. Imigrantes de diversos estados nordestinos ocuparam as primeiras colônias agrícolas (Fernando Costa, em Mucajaí, Braz de Aguiar, no Cantá, e Coronel Mota, no Taiano, em Alto Alegre).

A colônia agrícola de Fernando Costa, hoje Município de Mucajaí, notabilizou-se por acolher colonos do Maranhão. Na década de 1980, foram mais de 42 colônias agrícolas implantadas com largo incentivo para a vinda de colonos de outros estados. Das três colônias iniciais, Mucajaí e Cantá tornaram-se município.

Roraima, ao longo de sua história, foi palco de migrações nordestinas da Paraíba, Ceará, Pernambuco, do Rio Grande do Norte, Piauí, Pará e do Amazonas. Nos anos mais recentes, principalmente depois do Projeto Rondon (década de 1970), vieram gaúchos e paranaenses.

 

Mudança de nome para Roraima

 

Essa era a visão do Porto do Cimento, hoje encoberto pela Orla Taumanan, no Centro de Boa Vista

Em 1962, a denominação de Território do Rio Branco foi modificada para Território Federal de Roraima atendendo ao clamor popular, alegando enfrentar dificuldades com a confusão causada pela denominação da capital do Acre (Rio Branco).

As correspondências, e mesmo o destino de pessoas, eram trocados do Acre para Boa Vista e vice-versa. O autor da lei foi o deputado roraimense e ex-governador do Acre Valério Caldas de Magalhães.

Até 1964, os governadores nomeados tiveram uma permanência muito curta em Roraima. As ingerências políticas e as condições locais adversas faziam com que a média de permanência dos governadores fosse de apenas 16 meses.

De 1964 a 1981, o governo militar brasileiro entregou governança local aos militares da Aeronáutica e, com isso, os nomeados tiveram que “cumprir sua missão” em tempo maior: 32 meses. Isso teve repercussão no processo administrativo e na realização das obras de infraestrutura do Estado.

Apesar da administração tumultuada dos Territórios Federais, a História reconhece que os equipamentos e projetos coletivos que se constituíram instrumentos de fixação dos fluxos migratórios dirigidos àqueles entes federativos foram produzidos em maior escala nos Territórios do que em qualquer outro lugar das regiões Norte e Centro-Oeste

 

 

Os primeiros governadores eleitos

 


Brigadeiro Ottomar de Sousa Pinto foi o primeiro governador eleito pelo voto direto (Foto: Divulgação)

 

Por força de dispositivo da Constituição de 1988, a população passou a eleger seus governadores. O primeiro escolhido pelo voto direto, em 1990, foi o brigadeiro Ottomar de Sousa Pinto, ex-governador durante o período como Território Federal, já falecido.

Depois foram eleitos Neudo Ribeiro Campos (o primeiro roraimense eleito), Flamarion Portela (cearense, substituído no meio do mandato pelo segundo colocado nas eleições, o brigadeiro Ottomar de Sousa Pinto, que, após ser reeleito, acabou por falecer dois anos depois e foi substituído por seu vice, José de Anchieta Junior, também nascido no Ceará e também já falecido).

 

O gado e o diamante da Serra do Tepequém

 

Exploração de diamante na Serra do Tepequém foi iniciada no meio da década de 1930

 

 Desde o princípio, o Estado Roraima teve sua economia apoiada na produção pecuária, com o boi comercializado em Manaus (AM), e na produção de pedras preciosas, especialmente  o diamante.

Em 1789, o coronel Manoel da Gama Lobo d’Almada, governador da capitania do Rio Negro, visitando a região, encantou-se com a beleza dos campos naturais do Rio Branco e introduziu o gado bovino nesses campos, levando para a região, de canoa a remo, as primeiras reses de Tefé, no Amazonas.

Em 1793, o Governo Português criou, no Rio Branco, as chamadas Fazendas do Rei: São Marcos (ainda existente na terra indígena do mesmo nome), São José e São Bento. Elas foram definitivas para a fixação do gado bovino.

Com relação ao garimpo, fontes históricas indicam que a exploração mineral em Roraima surgiu ocasionalmente na primeira metade do século 20. Ao campear o gado espalhado na imensidão dos campos, os vaqueiros encontraram as primeiras pedras de diamante nos igarapés que descem dos contrafortes das montanhas roraimenses.

O primeiro garimpo a ser conhecido foi o da Serra do Tepequém, entre 1934 e 1936, e que de modo rudimentar e artesanal ainda é permitido nos dias atuais, conforme a Portaria no 143, de 31 de janeiro de 1984, assinado pelo então presidente João Baptista de Oliveira Figueiredo. Atualmente, Tepequém é o principal ponto turístico de Roraima, o único consolidado.

 

Serra do Tepequém hoje é o principal ponto turístico do Estado de Roraima (Foto: Jessé Souza)

 

Naquela época, o comerciante de diamantes em Roraima era uma figura importante e decisiva para a circulação de dinheiro vivo. Esse personagem era conhecido como diamantário, que normalmente viaja pelos garimpos de avião comprando diamante e pagando em dinheiro vivo. Depois revendia no exterior com lucros extraordinários.

O garimpeiro era apenas o ponto inicial da cadeia produtiva, recebendo muito pouco pelo que produzia. O diamante é comercializado em quilates: 1 quilate é igual a 200 miligramas, portanto, são necessários 5 quilates para se obter 1 grama de peso. Com a proibição dos garimpos em Roraima a atividade caiu muito. Na cidade Boa Vista não se encontram mais diamantários.

 

A nova corrida do El Dorado

Hoje, milhares de garimpeiros invadiram Terra Yanomami para explorar ouro (Foto: Divulgação)
 


A segunda fase do garimpo em terras roraimenses começou com a descoberta de ouro na região de Surucucus, na Terra Indígena Yanomami, na década de 1980, quando começou uma intensa corrida garimpeira para Roraima, fato que ficou conhecido como a corrida do El Dorado. Naquela época, o Aeroporto Internacional de Boa Vista tornou-se o mais movimentado do País em função do atendimento aos garimpos de ouro da região.

Essa febre garimpeira esfriou com a criação, pelo presidente Collor de Mello, do Parque Nacional Yanomami, que culminou com a criação da terra indígena com uma área de 9.667.875 ha que abrange os municípios de Alto Alegre, Mucajaí e Caracaraí, e também Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.

Atualmente, milhares de garimpeiros voltaram a invadir a terra dos índios Yanomami, incentivados por discursos do atual governo defendendo a volta da exploração mineral nas áreas indígenas. Na verdade, a garimpagem ilegal sempre esteve em atividade, seja em pequena ou grande proporção.

 

 

Paraíso dos naturalistas e viajantes

 

                Na capa do livro, Theodor Koch-Grunberg coleta narrativas de um indígena 

 

 No século 18, foram muitos os naturalistas e viajantes que adentraram o Rio Branco em busca de informações. Em épocas mais remotas, havia também exploradores que organizavam expedições à procura de índios para capturar e vender como escravos para as fazendas do Pará e do Maranhão.

Em 1777, Francisco Xavier Ribeiro Sampaio, ouvidor da capitania do Rio Negro, percorreu o Rio Branco com a missão de levar ao Governo informações geopolíticas referentes à invasão espanhola na região do Alto Uraricoera, que resultou na consolidação do Forte São Joaquim do Rio Branco, construído dois anos antes. Ribeiro Sampaio aproveitou sua viagem para descrever a fauna, a flora e os costumes indígenas da região.

No século 19, aumentou muito o número de naturalistas que visitaram o Vale do rio Branco, principalmente estrangeiros, atraídos pela exuberante fauna e flora da região, bem como pelos costumes indígenas, tão exóticos para o olhar europeu.  Infelizmente, a maior parte do vasto material produzido por esses naturalistas infelizmente não se encontra no Brasil, mas em museus e universidades do exterior.

O Monte Roraima foi escalado pela primeira vez em 1884 por dois ingleses, Everard Im Turn e Harry Perkins, que estudaram a geologia e a botânica da região. E até um conde italiano, Ermano Stradelli, foi mandado ao Rio Branco para descrever a região, por ocasião da sentença da questão dos limites das terras portuguesas e inglesas, que deveria ser resolvida pelo monarca italiano.

Dentre os estudiosos que se aventuraram por Roraima, o mais famoso foi o alemão Theodor Koch-Grunberg, que em meados do século 20 mais se destacou no estudo antropológico, concentrando-se na tríplice fronteira de Brasil, Venezuela e Guiana.

Ele escreveu o precioso livro “Von Roraima zum Orinoco (De Roraima ao Orinoco)”, em cinco volumes, que está na Biblioteca Central de Berlim. Esse livro descreve aspectos culturais dos povos indígenas em detalhes, com desenhos que impressionam pela delicadeza e precisão. Produziu também uma boa documentação fotográfica e um ensaio cinematográfico da região do Surumu.

Koch-Grunberg morreu de malária em Caracaraí. Ainda hoje caravanas de alemães vão àquela cidade conhecer o túmulo do cientista.

Outros naturalistas que passaram por Roraima no século passado foram: o americano Hasmann, que se dedicou à geografia e à ictiofauna da região da serra da Lua; o brasileiro Kuhlmann, que veio atrás de borracha e concentrou-se nas proximidades da cachoeira do BemQuerer; o ornitólogo norte-americano Anderson; Willian Curtis Farabee, que fez diversas explorações na região da ilha de Maracá; o botânico Adolpho Ducke, que percorreu a serra Grande e o Murupu, Caracaraí e Cauamé; o geólogo brasileiro Glaycon de Paiva;

O brilhante cientista brasileiro Carlos Chagas esteve em Roraima para avaliar as condições sanitárias.

 

Rice fez a primeira foto aérea de Boa Vista

 

Primeira foto aérea de Boa Vista feita por Hamilton Rice durante expedição em 1924

 

Também merece destaque a visita de Hamilton Rice, entre 1924 e 1925. Rice era membro da American Geographical Society, e, junto à Universidade de Harvard, organizou a primeira expedição ao Rio Branco feita num avião, do qual foi tirada a primeira fotografia aérea de Boa Vista.

O relato do explorador foi publicado com o título de “Exploração na Guiana Brasileira”. Junto com Rice veio o brasileiro Silvino Santos, que fez um filme de 20 minutos com o título de “Em busca do Eldorado”, editado pela BBC inglesa.

 

Barão de Parima e Marechal Rondon

 

O único brasileiro que recebeu título da nobreza portuguesa com topônimo da região do Rio Branco foi o coronel Francisco Xavier Lopes de Araújo, que ficou conhecido como Barão de Parima. Ele dá nome a uma das mais tradicionais escolas de Boa Vista, localizada no bairro Calungá. O coronel esteve em Roraima com a Comissão Demarcadora de Limites com a Venezuela.

Também o Marechal Rondon esteve em Roraima a serviço dessa comissão. Ele percorreu diversas malocas indígenas e subiu o Monte Roraima, onde colocou um marco na tríplice fronteira entre o Brasil, a Venezuela e a Guiana. Com Rondon veio o alemão Phillip Freiherr Von Luetzelburg, que aproveitou a expedição para coletar exemplares da fauna regional.

 

Expedições religiosas  

Além das expedições científicas, houve em Roraima várias expedições religiosas, como por exemplo as realizadas pelos padres Ildefonso Deigendesch e Alcuino Meyer, alemães que, nas décadas de 1930 e 1940, percorreram a pé a bacia do alto rio Branco até o Monte Roraima, visitando cada maloca que encontravam.

Seus relatos não apenas de ordem religiosa, colaboram com a ciência ao descreverem, por exemplo, a ocorrência de minérios radioativos e bauxita na região do Quinô e até lençóis de petróleo nos rios Mucajaí e Catrimani.

 

 

BR-174, o cordão umbilical de Roraima



Governo militar começou a construção da BR-174, entre Manaus e Boa Vista, na década de 1970 (Foto: Divulgação)


Desde a administração da Coroa portuguesa, Roraima sempre foi uma região isolada do resto do País, a ponto de a população local ser obrigada a dar as costas para o Brasil e se relacionar comercialmente com os países vizinhos, Venezuela ao Norte e Guiana a Leste.

A construção de uma rodovia ligando Roraima às demais regiões do Brasil, para quebrar o isolamento, só aconteceu em 1977. A BR-174 liga Manaus a Boa Vista em 758 km, no trecho sul; e Boa Vista à fronteira com a Venezuela, no trecho norte que totaliza 231 km, alcançando a cidade de Pacaraima, no Brasil, e Santa Elena do Uairem, na Venezuela.

A BR-174 é a única via de comunicação terrestre de Roraima com o Brasil. A rodovia Perimetral Norte (BR-210, que interliga os municípios no Sul do Estado) parou no trecho roraimense. Seu propósito seria unir a calha norte do grande Rio Amazonas, ficando apenas na intenção dos militares.

De Boa Vista em direção à fronteira com a Guiana foi construída a BR-401. São 124 km até Bonfim, na fronteira; daí a Georgetown, capital da Guiana, são mais 522 km. Uma ponte rodoviária sobre o rio Tacutu, inaugurada em 2009, facilitou o tráfego de veículos entre os dois países.

Fazendeiro Sebastião Diniz abriu o primeiro picadão que serviu de embrião para a rodovia


Mas a construção da BR-174 foi um projeto antigo, de 1893, quando o fazendeiro do Rio Branco e morador de Manaus (AM), Sebastião Diniz, foi incumbido pelo Governo do Amazonas de fazer uma estrada que ligasse Manaus a Boa Vista.

Essa ligação terrestre serviria para abastecer de carne bovina a capital manauara. Diniz concluiu a tarefa em 1895, quando ele enviou uma carta ao governador fazendo sérias críticas devido ao alto custo da obra, que na verdade era apenas uma trilha no meio da floresta sem nenhuma estrutura para abrigar o gado ao longo do percurso.

Não foi à toa que a estrada foi completamente esquecida nos anos seguintes e os 816 marcos (um por quilômetro) desapareceram com o tempo. A partir de 1970 o governo militar iniciou a abertura da BR-174, que liga Roraima ao estado do Amazonas.

 


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 Fontes de consulta:

- Homem, Ambiente e Ecologia do Estado de Roraima – Barbosa R.I., Ferreira E.J. & Castellón E. G. (eds) INPA 1997;

- Historiografia das expedições científicas e exploratórias no Vale do Rio Branco – Barboza, Reinaldo Imbrozio e Ferreira, Efrem Jorge Gondim;

- Site medium.com, artigo A revolta da praia de sangue e direito natural de liberdade indígena - Lima, Isabella;

- Guia Turístico do Governo de Roraima 2009

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